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História

As Misericórdias ou Santas Casas da Misericórdia são as instituições sociais mais genuinamente portuguesas e mais genuinamente cristãs. Surgem em Portugal no ano de 1498, ano em que Vasco da Gama descobre o caminho marítimo para a Índia.

Alguns historiadores se têm interrogado sobre qual destes acontecimentos foi mais importante para nós: se a descoberta de novas rotas que nos trouxe tantas riquezas, se as Misericórdias que vieram proporcionar uma ajuda moral, espiritual e social aos mais desfavorecidos destes bens, ação esta que se prolongou e prolongará através dos séculos.

Não há certezas absolutas de quem partiu a ideia da criação da primeira Misericórdia em Portugal, nem isso é relevante. Certo é que, no dia 15 de agosto do ano de 1498, em Lisboa, nos claustros da Sé, na Capela da Nossa Senhora da Piedade, designada também por Nossa Senhora da Terra Solta, foi fundada a Irmandade da Misericórdia de Lisboa, a qual serviu de modelo e inspiração à criação de instituições congéneres em várias cidades e vilas de Portugal, do Brasil e em outras partes do mundo aonde os portugueses iam chegando.

É de senso comum que a fundadora tenha sido a Rainha D. Leonor, então regente do Reino. Porém testemunhos antigos referem que o confessor da Rainha, um frade trinitário de origem espanhola, de nome Miguel Contreiras, terá tido a ideia da criação da Misericórdia, com base nos conhecimentos que tinha do Hospital de Santa Maria Nova de Florença, que se dedicava à prática cristã das obras de misericórdia. Cristãos fervorosos, Frade Miguel e Rainha D. Leonor, com autorização do Arcebispo de Lisboa, D. Martinho da Costa, elaboram os Estatutos ou Compromisso da Misericórdia.

Estes Estatutos ou Compromisso são redigidos pelo próprio punho do Frei Miguel, assinados primeiro por ele, seguindo-se as assinaturas da Rainha D. Leonor, el-Rei D. Manuel e sua mulher D. Beatriz, a Infanta D. Beatriz, sua mãe e o Arcebispo de Lisboa. Como referiu o Conde de Sabugosa, não é muito importante saber-se se a criação se deve ao monge ou à Rainha, «porque os dois corações generosos e caritativos não disputaram primazias, entrando cada um para a empresa com os elementos de que dispunha. Ele com a sua inteligência organizadora, atividade incansável e paixão ardente. Ela com a sua muita piedade e influência e aquela generosidade que a levava a aplicar às instituições que protegia, as rendas próprias e os bens que obteve de mercê real».

Nós acrescentamos que ambos os fundadores se inspiraram, sem dúvida, nos ensinamentos do evangelho, pois as primeiras palavras do Compromisso são de proclamação do Altíssimo: «Eterno, Imenso e Poderoso Deus…». O seu estudo conduz-nos às bem-aventuranças do Sermão da Montanha, nomeadamente à afirmação de Jesus Cristo registada em Mateus 5:7 «Bem aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia».

E as catorze obras de misericórdia expressas no Compromisso são divididas em dois capítulos as espirituais (ensinar os simples; dar bom conselho a quem o pede; castigar com caridade os que erram; consolar os tristes desconsolados; perdoar a quem errou; sofrer as injúrias com paciência; rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos) e as corporais (remir os cativos e visitar os presos; curar os enfermos; cobrir os nus; dar de comer aos famintos; dar de beber a quem tem sede; dar pousada aos peregrinos e pobres; enterrar os mortos).

São volvidos cerca de 515 anos da criação da primeira Misericórdia e logicamente é-nos colocada a questão: faz sentido, nos dias de hoje, a existência destas instituições? E a resposta lógica é, como não podia deixar de ser, afirmativa, se a Misericórdia continua inspirada na prática das obrigações que lhe incumbem, obviamente adaptadas às necessidades reais dos nossos dias.

Não nos restam dúvidas de que ao criar-se em Tondela, em 1897, uma Sociedade de Beneficência, constituída por pessoas extremamente preocupadas com os pobres e os doentes do concelho, ou “suavização dos males da humanidade”, como estas referiram, os seus corações se encontravam iluminados pelos mesmos ideais que levaram à criação das Misericórdias.

É interessante que, cerca de dez anos após a fundação da Sociedade de Beneficência, a sua Direção, presidida pelo Rev.° Padre Ignácio Pires de Mello, numa altura em que já se encontrava em fase adiantada a construção do Hospital —objetivo primário da Sociedade, referia que após a sua construção a Assembleia Geral deveria decidir «se o edifício, haveres e administração do Hospital deveria ser entregue à Câmara Municipal deste concelho, ou se a qualquer outra corporação, ou se, fundada uma «Misericórdia» deverá ser esta a incumbida de administrar os bens do mesmo Hospital». Tal intenção não veio a ser concretizada tão cedo, como mais adiante documentaremos.

Para que conheçamos melhor aquilo a que poderemos designar por génese da Misericórdia de Tondela, não resistimos em transcrever aqui, o que o saudoso e ilustre tondelense, Dr. Amadeu Ferraz de Carvalho escreveu em 1908 numa brochura intitulada “Hospital do Concelho de Tondela em Construção”.

Após uma interessante descrição do concelho de Tondela, do seu património e progresso, Ferraz de Carvalho diz que ao falar de tão interessante terra não tem outro intuito senão o de chamar a atenção dos leitores para a empresa de um grupo de cidadãos tondelenses, que numa justa compreensão dos seus deveres humanitários, intentaram dotar o seu concelho com um estabelecimento, cuja falta há muito era sentida, referindo-se à Sociedade de Beneficência de Tondela, que em 24 de Abril de 1897 se constituiu nesta vila, com o fim de fundar e sustentar um hospital destinado ao tratamento de doentes pobres do concelho. E conta-nos a história da sua fundação: «Partiu a iniciativa do saudoso tondelense, Ignácio Pereira do Valle, homem duma bondade imperiosa e comunicativa, a quem a prática espontânea, constante, sem desfalecimentos de ações generosas, sempre norteada por um são critério moral, era imposta como que por uma necessidade constitucional da própria natureza.

Amando como ninguém a sua terra, tendo uma perfeita intuição das suas necessidades e vivamente condoído pelos horrores com que a doença agrava a triste condição das classes mais desfavorecidas, soube congregar em volta de si um grupo de conterrâneos e de pessoas de família que desde logo compreenderam o alcance e viabilidade do seu plano e viram que a sua execução, uma vez posta em começo, certamente seria ajudada por boas vontades dispersas e caridosas intenções entorpecidas que o exemplo do seu esforço e tenacidade não deixaria de estimular e atrair a uma ação comum.

Constituída assim a sociedade e recebendo do seu inspirador um vigoroso impulso, meteram, sem delongas, os seus resolutos fundadores mãos à obra e passados poucos anos, senhores de um vasto e adequado trato de terreno, de grande valor, generosamente dado por D. Felícia Falcão, senhora de esmerados dotes, cuja falta tanto deplora a pobreza da vila, e dispondo da soma de alguns contos de réis, produto da subscrição iniciada após a fundação da sociedade, abalançaram-se à realização da primeira parte do seu plano, que felizmente conseguiram, pois à custa daquela quantia e doutros donativos que entretanto foram afluindo, já hoje se acha quase concluído o mais importante dos dois edifícios que fazem parte da construção hospitalar projetada».

A primeira reunião da Assembleia Geral da Sociedade de Beneficência de Tondela teve lugar do dia 30 de Maio de 1898 e, em 16 de Julho do mesmo ano, reúne, pela primeira vez também a Direção, para a distribuição dos cargos, tendo sido eleito presidente o Padre Ignácio Pires de Mello. Decidiram nesta reunião abordar no dia seguinte a Senhora D. Felícia da Conceição de Carvalho Falcão, no sentido de saber se estava decidida em oferecer o terreno para a construção do Hospital.

E, no dia seguinte, é lavrada uma ata que deixa transparecer uma enorme alegria, pois a Direção refere ter sido recebida “de maneira afetuosa e cativante” e que a D. Felícia declarou espontaneamente que oferecia para a construção do Hospital desta vila o seu prédio rústico denominado “Portella” vulgarmente conhecido por “Campo de Manobras” no limite desta vila, a partir do nascente com a Viscondessa de Tondella… De referir que esta grande benemérita, falecida em 1903, lega ainda em testamento, a avultada soma de dois contos de réis para a Sociedade.

E era tão grande o entusiasmo da Direção da Sociedade de Beneficência que volvidos menos de 15 dias após a sua primeira reunião (28 de julho de 1898) apresenta já concluído o projeto do Hospital, orçamento e caderno de encargos, pelo que é pedida a aprovação superior e autorização para se irem fazendo as respetivas obras por arrematações parciais, à medida que os recursos que a Mesa fosse obtendo para lhes fazer face. O projeto foi elaborado pelo Eng.° do Porto, António da Silva, a quem foi paga a importância de 250$00 réis.

Em março de 1900, fruto de uma campanha junto dos cavalheiros desta vila e fora do concelho, existia já uma quantia superior a cinco contos de réis, quantia mais do que suficiente para a obra de pedraria do Hospital. Esta obra foi arrematada e entregue a João de Almeida Paulino do Carregueiro de Vilar, pelo valor de 4.500$00 reis. Mas havia necessidade de realizar fundos para as empreitadas de carpintaria, gradeamentos de ferro, pintura, etc., pelo que se desenvolveram campanhas incessantes, e valiosos donativos foram recebidos (de destacar uma doação por morte da Benemérita Senhora D. Inês de Figueiredo Pacheco Telles, do lugar de Lourosa, de 2.500$00 réis), em 1909.

De salientar que houve contribuições não só do concelho mas de vários pontos do país, umas em dinheiro, outras em materiais construção, anónimas algumas, outras de figuras conhecidas, entre elas Suas Magestades D. Carlos e D. Amélia, que pela quantia oferecida mil réis, se adivinha a dificuldade com que a Família Real vivia nesse tempo. Em 1915, no dia 18 de julho, é finalmente inaugurado o belíssimo (ainda hoje) e moderno Hospital do Concelho de Tondela, o Hospital de Santa Maria, que se manteve em funcionamento até à inauguração do novo Hospital, em 4 de Setembro de 1955.

Este é um belo exemplo de como a solidariedade humana e a preocupação com os mais desprotegidos, pode vencer os maiores obstáculos! Porém, sabe-se que se não é fácil construir um estabelecimento deste género, mais difícil é ainda assegurar o seu funcionamento, sobretudo quando os seus serviços são dirigidos àqueles que pouco ou nada podem pagar e não recebe qualquer contrapartida do Estado.

E aqui recomeça uma luta titânica: o Hospital tem que ter médicos, enfermeiros, administrativos, auxiliares, tem que oferecer medicamentos, alimentação, roupas, etc.. As ajudas governamentais e da autarquia são muito poucas e insuficientes para que o Hospital desenvolva a sua atividade.

O reconhecimento destes factos levaram a que na sessão ordinária da Comissão Administrativa da SBT de 6 de Setembro de 1929, presidida pelo Dr. Jerónimo Maria de Lacerda, este tenha dito que “julga ser de toda a conveniência para a vida económica e financeira do Hospital, a cargo da Sociedade de Beneficência, hoje entregue à administração desta Comissão, a transformação da mesma em uma Misericórdia, atentos às grandes vantagens que a estas Corporações são hoje concedidas pelo Governo, em harmonia com o disposto no Decreto número 15809, publicado no Diário do Governo de 2 de Agosto de 1928, tanto mais que logo após a publicação desse Decreto e para evitar que a mesma Sociedade de Beneficência fosse privada das vantagens e regalias que por esse decreto lhe eram concedidos, foi necessário fazer uma exposição ao Ex.mo Senhor Diretor-geral da Assistência Pública”, para que o Hospital da Sociedade de Beneficência não fosse privado das ajudas previstas para os Hospitais das Misericórdias.

E, efetivamente em Assembleia Geral de 28 de setembro de 1929, presidida pelo Dr. Eurico José de Gouveia, foi apreciada a proposta de transformação apresentada pelo Doutor Jerónimo Lacerda, com a qual a Assembleia Geral concordou e encarregou a Comissão Administrativa de elaborar os Estatutos da Misericórdia.

Não importa aqui referir as grandes crises porque passou a Sociedade de Beneficência, cujo nome foi até esquecido durante muitos anos e em sua substituição usada a designação da obra da sua criação — Comissão Administrativa do Hospital de Santa Maria – crises que levaram a inquéritos, o primeiro em 1947, tão bem documentados no trabalho do Dr. Fernando Agostinho de Figueiredo, intitulado “O Hospital de Santa Maria de Tondela — Subsídios para a sua História — Entre dois Inquéritos”.

Importa sim realçar que a decisão da Assembleia Geral acima referida (28/09/1929), foi levada à prática apenas cerca de 23 anos mais tarde, ou seja em 2 de Maio de 1952, data em que foi elaborado e aprovado o Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Tondela, pela Comissão Administrativa do Hospital de Santa Maria.

Foi ainda em vida da Sociedade de Beneficência de Tondela, que a Comissão do Hospital de Santa Maria, presidida já por António Rosa Fernandes Pinto, adquiriu um edifício no Caramulo para transformar em Sanatório, destinado ao tratamento dos tuberculosos pobres do concelho, pela quantia de 230 contos. Para o efeito foi concedido em 1951, um subsídio do Ministério do Interior na importância de 130 contos.

Este estabelecimento passou a designar-se por Casa de Saúde Fonte dos Castanheiros, situado em Paredes do Guardão, (ou Enfermaria-Abrigo do Hospital de Tondela) num lugar ainda hoje paradisíaco. Grande parte do mobiliário para este Sanatório foi oferecido por vários Beneméritos. Foi inaugurado em 20 de abril de 1952, pouco tempo antes da criação da Misericórdia. Neste ato, o Senhor Governador Civil do Distrito, que presidiu em nome do Senhor Ministro do Interior, condecorou o Presidente da Comissão Administrativa, Senhor Rosa Pinto.

Não se pode afirmar que a Santa Casa da Misericórdia de Tondela tenha nascido e crescido com a tranquilidade com que nasceu a primeira Misericórdia e tantas outras que se lhe seguiram.

Para percebermos melhor, teríamos que fazer um longo historial relacionado com o encerramento do Patronato e a Enfermagem Religiosa, cuja polémica não queremos, por imprópria neste momento, relatar. Recuamos contudo a 1947. Neste ano, em 28 de abril é iniciado um inquérito à Comissão Administrativa da Sociedade de Beneficência de Tondela, a qual era acusada de revelar um grande desinteresse pela gestão do Hospital.

Esta campanha movida pelo Dr. Fernando de Figueiredo, teve o seu epílogo com a nomeação de uma nova Comissão Administrativa, constituída pelos Senhores António Rosa Fernandes Pinto, Eng.° Sérgio Pereira da Silva, Caetano de Matos Rodrigues Tapada, Fernando Teixeira e José de Matos Laranjeira.

A nomeação teve lugar em 27 de julho de 1948, tendo a Comissão a que o primeiro presidiu iniciado as suas atividades em 14 do mês seguinte. A partir de 1952 a Comissão passou a funcionar apenas com o primeiro e os dois últimos dos seus componentes, por os outros não concordarem com as atitudes do Presidente.

Aprovado o Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Tondela por despacho do Senhor Subsecretário de Estado da Assistência Social, de 25 de maio de 1952, é extinta a Sociedade de Beneficência de Tondela, passando todo o seu património para a posse da nova Misericórdia, a qual só em 12 de dezembro de 1954 elege os primeiros Corpos Gerentes, sendo governada até então por uma Comissão Administrativa que toma posse perante o Governador Civil do Distrito em 23 de agosto, constituída pelo Provedor, António Rosa Pinto, Secretário Fernando Teixeira e Tesoureiro José de Matos Laranjeira.

O primeiro Compromisso —ou Estatutos – da Santa Casa da Misericórdia de Tondela, publicado no Diário do Governo n.°130, 3ª série, de 31 de maio de 1952, tem muito a ver com a sua herança da Sociedade de Beneficência, ou seja, é o garante da continuidade da obra caritativa e assistencial daquela Sociedade, pois o Compromisso refere que “a Santa Casa da Misericórdia de Tondela é uma associação que se propõe prestar assistência aos pobres e indigentes do concelho de Tondela, de harmonia com o espírito tradicional da instituição para a prática da caridade cristã”. Poderemos dizer que o Compromisso para além de fixar as normas de funcionamento da associação, com direitos e deveres dos associados, se divide em duas partes distintas: a primeira tendo a ver com a prática da assistência e caridade e a segunda com a prática espiritual, numa perspetiva da Igreja Católica.

Não obstante nos situarmos em 1952, a elaboração do Compromisso da Misericórdia de Tondela é influenciada pelo Compromisso primitivo da primeira Misericórdia portuguesa, criada em Lisboa no ano de 1498 e regulamentada cerca de 18 anos mais tarde (1516), ou pelo menos impresso o Compromisso nessa data por ordem do Rei D. Manuel. O que depois se segue na vida da Misericórdia, é relatado neste trabalho em outros capítulos.

Porém, não podemos olvidar que com a nomeação da Comissão Administrativa da Sociedade de Beneficência de Tondela em 1948, a preocupação primeira foi a da construção dum novo Hospital. Após a sua construção, o edifício do Velho Hospital esteve durante vários anos aguardando das instâncias superiores, a instalação de um Centro de Psiquiatria, o que nunca se concretizou. Depois, com a criação do Hospital Psiquiátrico de Abraveses, a orientação oficial era no sentido de instalação de um Asilo para Pobres. Mas durante vários anos serviu de apoio ao Hospital Novo (armazéns, rouparia, dormitório de pessoal, consulta-dispensário, etc.), que aos poucos o ia dispensando.

Serve de “berço” ao Infantário Popular, até à construção das suas instalações. Dá-se depois a instalação de várias associações e mais tarde, retoma efetivamente o destino que há décadas lhe era apontado: Lar para Idosos. Texto extraído da brochura editada pela Santa Casa da Misericórdia de Tondela para as comemorações do cinquentenário da sua fundação.

Elaboração de alguns textos e coordenação da edição de Manuel Úria.